Revista Ciencias de la Actividad Física UCM, 24(2), julio - diciembre, 2023. ISSN: 0719-4013


Relação entre indicadores de risco à saúde e
componentes do somatótipo consoante atividade física
em crianças


Relación entre indicadores de riesgo para la salud y componentes del somatótipo
según la actividad física en niños

Relationship between health risk indicators and somatotype components according
to physical activity in children



Douglas Alencar Vieira1, Fernanda Karina dos Santos2, Elenice Pereira3, Saturnino Tavares Neto4,
Mabliny Thuany5 & Thayse Natacha Gomes6


Vieira, D., dos Santos, K. F., Pereira, E., Neto, S., Thuany, M., & Gomes, T. N. (2023). Relação entre indicadores de risco à saúde e componentes do somatótipo consoante atividade física em crianças. Revista Ciencias de la Actividad Física UCM, 24(2), julio-diciembre, 1-13. https://doi.org/10.29035/rcaf.24.2.3



RESUMO

Este estudo analisou a relação entre indicadores de risco à saúde e as componentes do somatótipo consoante os níveis de atividade física em crianças. Trata-se de uma pesquisa epidemiológica de base escolar, composta por 168 crianças (6 a 11 anos) de ambos os sexos. Informações demográficas foram obtidas. Avaliações antropométricas (estatura; massa corporal; pregas de adiposidade subcutânea; perímetros do braço contraído, cintura, quadril e panturrilha), pressão arterial sistólica e diastólica, e atividade física (ativo; inativo) foram mensuradas. O somatótipo, razão cintura-quadril e razão cintura-estatura foram calculados. Análise de comparação, correlação e regressão linear múltipla foram realizadas, considerando intervalo de confiança de 95%. Meninos apresentaram maior número de passos, razão cintura-quadril e cintura-estatura. Crianças ativas eram mais velhas, possuíam maior perímetro de cintura, quadril e pressão arterial sistólica. No grupo fisicamente ativo, o sexo esteve associado diretamente ao perímetro de cintura e razão cintura-estatura, enquanto a idade associou-se com a perímetro de quadril e pressão arterial diastólica. Nas crianças inativas, todas as variáveis preditoras (exceto para a variável sexo em relação ao perímetro de quadril) mostraram-se significativas para o perímetro da cintura e quadril, explicando, conjuntamente, ~83% e 85% da expressão destas variáveis, respectivamente. A relação entre indicadores de risco à saúde e as componentes do somatótipo foi maior em crianças inativas. Independentemente do nível de atividade física, a endomorfia mostrou relação significativa com os componentes de saúde, com maior efeito no grupo inativo, tendo em vista a associação com a composição corporal dos sujeitos.

Palavras chave: Risco cardiometabólico; Somatótipo; População pediátrica.


RESUMEN

Este estudio analizó la relación entre indicadores de riesgo para la salud y los componentes del somatótipo según los niveles de actividad física en niños. Se trata de una investigación epidemiológica, compuesta por 168 niños (6 a 11 años) de ambos sexos. Fueron mensuradas: evaluaciones antropométricas (estatura; masa corporal; pliegues de adiposidad subcutánea; perímetros del brazo contraído, cintura, cuadril y pantorrilla), presión arterial sistólica y diastólica, y actividad física (activo/inactivo); el somatótipo, a través del cálculo de: razón cintura-cuadril y razón cintura-estatura. Se realizó el análisis de comparación, correlación y regresión lineal múltiple, considerando intervalo de confianza del 95%. Los niños presentaron mayor número de pasos, razón cintura-cuadril y cintura-estatura. Los niños activos eran mayores, tenían mayor perímetro de cintura, cuadril y presión arterial sistólica. En el grupo físicamente activo, el sexo estuvo asociado directamente al perímetro de cintura y razón cintura-estatura, mientras que la edad se asoció con el perímetro de cuadril y presión arterial diastólica. En los niños inactivos, todas las variables predictoras (excepto para la variable sexo con relación al perímetro de cuadril) se mostraron significativas para el perímetro de la cintura y cuadril, explicando, conjuntamente, ~83% y 85% de la expresión de estas variables, respectivamente. La relación entre indicadores de riesgo para la salud y los componentes del somatotipo fue mayor en niños inactivos. Independientemente del nivel de actividad física, la endomorfia mostró una relación significativa con los componentes de salud, con mayor efecto en el grupo inactivo, con vistas a la asociación con la composición corporal de los sujetos.

Palabras clave: Riesgo cardiometabólico, Somatótipo, Población pediátrica.


ABSTRACT

This study analysed the relationship between health risk indicators and somatotype components according to physical activity levels in children. This epidemiological and school-based research comprised 168 children of both sexes (56% boys), aged between 6 to 11 years. Demographic information (sex, age) was obtained. Anthropometric information (body height; body mass; contracted arm, waist, hip, and calf circumferences), body composition (subcutaneous adiposity and somatotype), systolic and diastolic blood pressure, and physical activity level (active; inactive) were measured. The waist-hip ratio and waist-to-height ratio were computed. Comparison, correlation, and multiple linear regression analysis were performed, considering 95% of the confidence interval. Boys presented higher values for physical activity, waist-hip, and waist-to-height ratio. Active children were older, had a larger waist and hip circumference, and higher systolic blood pressure. Among the active group, sex was associated with waist circumference and waist-to-height ratio, while age was associated with hip circumference and diastolic blood pressure. Among inactive children, all predictors (except for sex for hip circumference) were significantly associated with waist and hip circumferences, explaining ≅83% and 85% of the expression of these variables, respectively. The relationship between health risk indicators and somatotype components was higher among inactive children. Regardless of the physical activity level, the endomorphic component shows a significant relationship with health components, with a higher effect among the inactive group, considering the body composition association.

Key words: Cardiometabolic risk; Somatotype; Pediatric population.



1 Specialist in Biological Sciences Applied to Health. Programa de Pós-graduação em Educação Física, Departamento de Educação Física, Universidade Federal de Sergipe, Brasil.
https://orcid.org/0000-0002-5552-5037 | dougvieiira08@gmail.com
2 Department of Physical Education, Center for Biological and Health Sciences, Federal University of Viçosa, Minas Gerais, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-9127-7694 | fernandak.santos@ufv.br
3 Doutoranda em Educação Física, Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, Brazil.
https://orcid.org/0000-0003-1750-4961 | elenice.sousa@ufv.br
4 Mestre. Secretaria de Educação do Estado de Alagoas, Brasil.
https://orcid.org/0000-0002-0380-7040 | netotavares15@hotmail.com
5 Master of Science. Faculdade de Desporto. University of Porto, Porto, Portugal.
https://orcid.org/0000-0002-6858-1871 | mablinysantos@gmail.com
6 Post-Doc Researcher Physical Education and Sport Sciences. Programa de Pós-graduação em Educação Física, Departamento de Educação Física, Universidade Federal de Sergipe, Brasil.
 https://orcid.org/0000-0003-4991-1238 | thayse_natacha@hotmail.com
 



INTRODUÇÃO
 
O número de crianças e adolescentes com sobrepeso/obesidade aumentou nos últimos anos. Dados da Organização Mundial de Saúde [OMS] indicam que entre 1975 e 2016 houve aumento de 4% para 18% na prevalência de sobrepeso na população pediátrica (World Health Organization [WHO], 2020). No Brasil, dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional [SISVAN] apontam que cerca de 30% dos sujeitos nesse grupo etário encontram-se acima do peso (SISVAN, 2021). Essas informações são alarmantes, tendo em vista os gastos do sistema público de saúde, bem como as comorbidades associadas a tal quadro (Ferrari et al., 2019; Fredriksen et al., 2018; Nilson et al., 2020), que incluem doenças cardiovasculares, diabetes tipo II e hipertensão (Alves et al., 2017). Por outro lado, a prática regular de atividade física, em associação a uma boa alimentação, pode proporcional um estilo de vida mais saudável (Enriquez-del Castillo et al., 2022; Vieira et al., 2022), pois, entre outras coisas, contribui para redução do peso corporal (Lee & Yoon, 2018), melhora do perfil lipídico e sensibilidade à insulina e redução do risco de desenvolvimento de doenças cardiometabólicas (Kumar et al., 2015; Whooten et al., 2019).

Desse modo, indicadores antropométricos [índice de massa corporal (IMC), perímetro da cintura, relação cintura-quadril (RCQ) e relação cintura-estatura (RCE) (Li et al., 2020) e de composição corporal (somatótipo) (Bar-or et al., 2009) têm sido largamente utilizados para predizer desfechos de saúde. Estudos anteriores evidenciaram associações entre IMC e perímetro de cintura com diversas doenças, destacando sua importância para identificação de risco cardiometabólico em crianças e adolescentes (Aguilar-Morales et al., 2018; López-González et al., 2016; Quadros et al., 2019). Em suma, o uso de medidas antropométricas tem se mostrado uma alternativa mais acessível, de baixo custo e de fácil mensuração frente às análises sanguíneas para identificação de risco à saúde junto à população pediátrica, para além de apresentar importante relação com a expressão da obesidade infantil (Li et al., 2020).

Nesse contexto, indicadores antropométricos podem ser utilizados não só para fins nutricionais, mas também para avaliar o risco à saúde e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e hipertensão arterial (Andrade et al., 2019). Contudo, há uma lacuna na literatura quanto à relação entre indicadores de risco cardiovascular e somatótipo em crianças, como também o papel da atividade física nesta relação (Almeida et al., 2015). Estudos prévios que avaliaram a relação entre indicadores antropométricos e risco cardiometabólico destacaram a importância da utilização de outros fatores em investigações futuras (Li et al., 2020). Dessa forma, o objetivo do presente trabalho foi analisar a relação entre indicadores de risco à saúde e as componentes do somatótipo, considerando o sexo e diferentes níveis de atividade física em crianças.


MÉTODOS

Design e amostra

Trata-se de uma pesquisa epidemiológica de base escolar, advinda do Projeto de Pesquisa longitudinal-misto “Relação entre Atividade Física, Competência Motora, Capacidades Cognitivas e Desempenho Escolar em Crianças de 3 a 12 anos”. Para participação na pesquisa foram considerados os seguintes critérios de inclusão: i) as crianças deveriam estar matriculadas na escola; ii) aceitar participar do projeto apresentando a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis legais; e iii) não apresentar deficiência física e/ou cognitiva. A amostragem foi selecionada de forma aleatória. Participaram do estudo 168 crianças de ambos os sexos (56% meninos), com idades compreendidas entre 6 e 11 anos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Viçosa (parecer nº 1.888.177).

Informações demográficas

Através do uso de um questionário, respondido pelos responsáveis legais, foram obtidas informações sobre o sexo e idade das crianças.

Antropometria e composição corporal

As avaliações antropométricas e de composição corporal foram realizados consoante procedimentos descritos pela International Society for the Advancement of Kinanthropometry [ISAK], (2011). A estatura (cm) foi mensurada utilizando–se um estadiômetro portátil Sanny (precisão de 0,1cm), e a massa corporal (kg) foi medida através de balança digital Techline (precisão de 0,1kg). Para ambas as avaliações, as crianças estavam descalças e trajando roupas leves.

Os perímetros do braço contraído, cintura, quadril e panturrilha foram medidos utilizando fita métrica não elástica Sanny (precisão de 0,1cm); os diâmetros ósseos do úmero e fêmur foram medidos com a utilização de um paquímetro Sanny (precisão de 0,1cm), e as pregas de adiposidade subcutânea (tríceps, subescapular, supra ilíaca e panturrilha) foram mensuradas por meio de um adipômetro Cescorf (precisão de 0,1mm). A partir do uso das informações do perímetro da cintura, perímetro do quadril e estatura, determinou-se a RCQ e RCE. As componentes do somatótipo (endomorfia, mesomorfia e ectomorfia) foram estimadas através do método de Heath e Carter (Heath & Carter, 1967), utilizando valores contínuos de cada componente.

Pressão Arterial

Foram realizadas, ao menos, três medições da pressão arterial, utilizando-se o monitor de pressão arterial automático de braço Omron (modelo HEM 7113). Antes da realização da primeira aferição, as crianças permaneceram em repouso por cinco minutos, sentadas com pernas paralelas (não cruzadas), pés apoiados no solo, devidamente recostadas à cadeira, e com o braço direito relaxado sobre a mesa, ligeiramente flexionado e com a palma da mão voltada para cima, à altura do coração. A braçadeira foi colocada a 2-3 cm acima do cotovelo, cobrindo a artéria braquial. As outras duas aferições foram realizadas com intervalos de três minutos, conforme a Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (Malachias, 2016). Para a análise, considerou-se o valor médio das três medições para pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD).

Atividade Física

A avaliação da atividade física foi realizada a partir do uso de um pedômetro (Yamax, Digi-Walker, modelo SW 200, Japão). Foram contabilizados os números de passos diários das crianças durante uma semana (mínimo de dois dias de fim de semana). Os pais/responsáveis das crianças participantes receberam todas as orientações necessárias com relação ao modo de uso e registro dos resultados do pedômetro, visando a confiabilidade dos registros. As crianças foram informadas sobre a utilização do aparelho durante todo o dia, devendo retirá-lo apenas para dormir e para atividades aquáticas. O aparelho foi fixado na cintura, na linha média-axilar direita. Como os pedômetros não possuíam memória interna, os responsáveis legais receberam uma ficha para preenchimento do número de passos diários, sendo-lhes solicitado que, ao fim do dia, ao retirar o aparelho da criança, registrassem na referida ficha o número de passos que a criança realizou no dia, apresentados no aparelho. A média de diária passos realizados foi estimada e considerada para análises. Com base nos resultados apresentados na média diária de passos de cada sujeito e levando em consideração os pontos de corte sugeridos por Tudor-Locke et al. (2011) (12000 passos para meninas e 15000 passos para meninos), as crianças foram classificadas em dois grupos: ativos (<12000 passos, meninas, e <15000 passos, meninos) e inativos (≥12000 passos, meninas, e ≥ 15000 passos, meninas).

Análise estatística

A normalidade na distribuição dos dados foi testada a partir do teste de Kolmogorov-Sminorv, e a análise descritiva foi apresentada através da mediana (intervalo interquartil) e frequência (%). O teste U-Mann Whitney foi utilizado para estimar diferenças na idade, indicadores de risco à saúde e componentes do somatótipo, considerando-se ambos os sexos e nível de atividade física (ativos/inativos). Análise de correlação de Spearman foi realizada entre as variáveis, consoante o sexo. A magnitude da correlação foi determinada através dos valores propostos por Batterham e Hopkins (Batterham & Hopkins, 2006), sendo: r < 0,1, trivial; r = 0,1 a <0,3, pequeno; r = 0,3 a <0,5, moderado; r = 0,5 a <0,7, forte; r = 0,7 a <0,9, muito forte; r = 0,9 a <1,0 quase perfeito; r = 1, perfeito. Para verificar a associação entre os indicadores de risco à saúde (perímetro da cintura e quadril, RCQ, RCE, PAS e PAD) e as componentes do somatótipo (endomorfia, mesomorfia e ectomorfia), em crianças ativas e inativas, modelos de regressão linear múltipla foram construídos. Em todas as análises, o sexo e a idade foram considerados como covariáveis. Estimativas do tamanho do efeito foram apresentadas através do R². As análises foram realizadas nos softwares GraphPad Prism 8.0.1 e IBM SPSS 25.0, considerando-se intervalo de confiança de 95%.


RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta as informações descritivas por sexo e por nível de atividade física. De forma geral, 85,7% dos participantes eram inativos. Em relação ao sexo, os meninos mostraram-se mais ativos [8833,9 (6235,6–13201,7) passos, p = 0,03] e apresentaram maiores valores para RCQ [0,85 (0,83–0,88), p<0,001] e RCE [0,44 (0,42–0,49), p= 0,03]. Por outro lado, as meninas apresentaram valores superiores para as componentes endomorfia [5,0 (3,9–6,5), p<0,001] e ectomorfia [3,2 (1,7–4,3), p = 0,04], e valores inferiores para mesomorfia [3,9 (3,2–4,7), p<0,001] quando comparadas aos meninos. Diferenças consoante nível de atividade física foram verificadas. Crianças ativas eram mais velhas [9,0 (8,0–10,0) anos, p = 0,01], possuíam maior perímetro de cintura [60,7 (56,4–69,9) cm, p = 0,03] e quadril [77,0 (67,4–81,7) cm, p = 0,01], assim como valores superiores para PAS [111,3 (106,0-116,3) mmHg, p<0,001)], em comparação a seus pares inativos.

Os resultados da análise de correlação estão apresentados na Figura 1. Para ambos os sexos, foi verificada relação positiva e fraca entre idade e atividade física [(meninos, r: 0,31; IC95% 0,10 – 0,48; p = 0,002) (meninas, r: 0,37; IC95% 0,14 – 0,55; p 0,001)]. Relação negativa foi verificada para atividade física e RCE (r: -0,26; IC95% -0,20 – 0,22; p 0,01) e mesomorfia (r: -0,22; IC95% -0,40 – -0,01; p 0,03) nos meninos; para as meninas, observou-se uma relação positiva entre atividade física e perímetro de quadril (r: 0,28; IC95% 0,05 – 0,48; p<0,001) e PAS (r: 0,31; IC95% 0,07 – 0,51; p 0,01). Notou-se também, nos rapazes, uma forte correlação entre RCQ e as três componentes do somatótipo [endomorfia (r: 0,78; IC95% 0,68 – 0,85; p<0,001), mesomorfia (r: 0,79; IC95% 0,69 – 0,85; p<0,001) e ectomorfia (-0,93; IC95% -0,95 – -0,89; p<0,001)].


Tabela 1
Informações descritivas [mediana (intervalo interquartílico)] e resultados do teste U-Mann Whitney, considerando sexo e nível de atividade física.



 
Já nas meninas, a RCQ apresentou uma relação moderada com a endomorfia (r: 0,33, IC95% 0,10 – 0,52, p 0,004) e mesomorfia (r: 0,32, IC95% 0,08 – 0,51, p 0,006), enquanto a RCE teve uma correlação forte com a ectomorfia (r: -0,87; IC95% -0,91 – -0,79; p<0,001) (Tabela suplementar 1 e 2).
 

Figura 1
Matriz de correlação de Spearman consoante sexo (A, masculino; B, feminino).



 
A Tabela 2 apresenta os resultados da análise de regressão linear múltipla. No grupo de acrianças ativas, o sexo esteve associado diretamente ao perímetro de cintura (β: 5,93; IC95%: 0,81–11,0) e RCE (β: 0,03; IC95%: 0,00–0,05), enquanto a idade associou-se com o perímetro de quadril (β: 3,62; IC95%: 0,82–6,42) e PAD (β: 4,15; IC95%: 0,56–7,73). Entre as componentes do somatótipo, apenas a endomorfia apresentou associação significante com perímetro de cintura (β: 3,00; IC95%: 0,52–5,45) e RCE (β: 0,01; IC95%: 0,00–0,02). Com relação ao grupo inativo, todas as variáveis preditoras mostraram-se significativas para o perímetro da cintura e do quadril, explicando, conjuntamente, ~83% e 85% de suas expressões, respectivamente. Além disso, a endomorfia e ectomorfia estiveram associadas com a RCE (β: 0,01, IC95%: 0,00–0,01 e β: -0,01; IC95%: -0,02– -0,01, respectivamente), e a endomorfia com a PAS (β: 0,03, IC95%: 0,06–2,37).


Tabela 2
Resultados da associação entre os indicadores de risco à saúde, sexo, idade e componentes do somatótipo em crianças ativas e inativas.




DISCUSSÃO
 
A proposta do presente estudo foi analisar a relação entre indicadores de risco à saúde e as componentes do somatótipo em crianças com diferentes níveis de atividade física. Os principais resultados indicaram que: (a) grande parte dos participantes estavam no grupo inativo, enquanto as crianças mais velhas e os meninos realizaram maior número de passos que seus pares mais novos e do sexo feminino, respectivamente; (b) os rapazes apresentaram os menores valores para endomorfia e os maiores para mesomorfia; (c) crianças classificadas como ativas apresentaram associações significativas entre endomorfia e os indicadores de risco (perímetro de cintura e RCE apenas); (d) no grupo inativo, as três componentes do somatótipo estiveram associadas  com o perímetro de cintura, quadril e RCE (com exceção de mesomorfia para esse último), e a endomorfia associou-se com PAS.

Estudos anteriores têm sido consistentes em reportar diferenças entre os sexos para o nível de atividade física (Kumar et al., 2015). Mesmo em tenras idades, meninas tendem a ser menos ativas, comparativamente a seus pares (Kumar et al., 2015; Whooten et al., 2019). Essas diferenças são explicadas por aspectos socioculturais (como apoio/incentivo dos pais), percepção de segurança, bem como a designação social de determinadas atividades diárias serem primordialmente praticadas por sujeitos de um ou outro sexo (Whooten et al., 2019). Essas diferenças indicam a necessidade de intervenções específicas para aumento dos níveis de atividade física de crianças, especialmente no público feminino (Sallis et al., 2000). Além disso, a prevalência de inatividade física global, independente do sexo, é expressiva, e tem uma relação com aproximadamente 5% dos casos de doenças crônicas não transmissíveis e mortalidade prematura no Brasil (Rezende et al., 2015) e em torno de 10% no mundo (Lee et al., 2012; Ozemek et al., 2019).

A análise do somatótipo possibilita a compreensão morfológica do corpo a partir de três componentes: a endomorfia – relacionada à gordura corporal, podendo estar associada a doenças cardiovasculares, a mesomorfia ˗ pode ser um fator protetor à saúde, pois refere-se ao desenvolvimento muscular, representando a massa livre de gordura, e a ectomorfia ˗ relaciona-se com a linearidade relativa, que pode ser um indicador de desnutrição (Almeida et al., 2013). O presente estudo indicou maiores valores para mesomorfia e endomorfia em meninos e meninas, respectivamente. Esses achados corroboram com estudos anteriores e podem ser explicados pelas disparidades existentes entre os sexos (Marta et al., 2011). De modo geral, mulheres apresentam um maior percentual de gordura, enquanto os homens mais massa magra (livre de gordura), diferença que já pode ser percebida na primeira infância, mas que pode ser acentuada no período da puberdade (Silventoinen et al., 2021). Esses aspectos morfológicos também podem justificar a correlação encontrada entre as componentes do somatótipo com RCQ e RCE, ressaltando sua relevância na expressão de fatores de risco à saúde dos sujeitos.

Independentemente do nível de atividade física, os dados indicam uma relação entre endomorfia, perímetro de cintura e RCE. Uma pesquisa prévia observou que a gordura corporal é um preditor comum entre os três indicadores citados, apresentando papel relevante no desenvolvimento de doenças cardiovasculares (Almeida et al., 2015). Embora não tenha sido analisada neste trabalho, o percentual de gordura está relacionado com a endomorfia, como exposto anteriormente, assim como tem uma correlação significativa com a RCE, representando um risco para a saúde do sujeito (Almeida et al., 2015).

De modo geral as crianças inativas apresentaram maior relação entre os indicadores de saúde e as componentes somatotípicas. Trabalhos anteriores sugeriram que sujeitos que apresentam indicadores de risco antropométricos elevados também mostraram valores maiores para endomorfia e mesomorfia e menores para ectomorfia (Almeida et al., 2013; Almeida et al., 2015). Nossos resultados estão em consonância com esses achados, mas somente para crianças inativas. Além disso, a ectomorfia mostrou-se negativamente relacionada com o perímetro de cintura, perímetro do quadril e RCE no grupo inativo. Embora pareça exercer um efeito protetor, outro estudo identificou que a medida que o risco cardiovascular aumenta a ectomorfia tende a diminuir, observado mediante análise de indicadores antropométricos (Almeida et al., 2013).

O presente estudo apresenta limitações. O uso de pedômetro para avaliação objetiva da atividade física é uma alternativa de baixo custo e confiável, no entanto não nos permite obter informações sobre a intensidade desta atividade, o que permitiria uma análise mais detalhada das informações. Portanto, sugere-se para pesquisa futuras avaliar o efeito dos níveis de atividade física nessa relação, a partir do uso de instrumento que permita de fato tal avaliação. Porém, destacamos que poucos estudos foram desenvolvidos para analisar a relação entre o somatótipo e indicadores de risco à saúde em crianças consoante a atividade física, o que pode servir de subsídios para a estruturação de estratégias para promoção de um estilo de vida mais saudável e na redução de desfechos de saúde negativos.


CONCLUSÃO

A relação entre indicadores de risco à saúde e as componentes do somatótipo foi maior em crianças inativas, o que sugere que a prática regular de atividade física pode exercer um papel importante na relação entre essas variáveis. Embora a ectomorfia pareça ter um efeito protetor, por estar inversamente relacionada com os indicadores de saúde, há uma tendência de diminuição desta componente com o aumento dos indicadores de risco antropométricos. Independentemente do nível de atividade física, a endomorfia mostrou relação significativa com os componentes de saúde, com maior efeito no grupo inativo, tendo em vista sua associação com a composição corporal dos sujeitos.




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Dirección para correspondencia

Douglas Alencar Vieira
Specialist in Biological Sciences Applied to Health.
Programa de Pós-graduação em Educação Física,
Departamento de Educação Física.
Universidade Federal de Sergipe.
Brasil

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5552-5037

Contacto:
dougvieiira08@gmail.com

Recibido: 21-03-2023
Aceptado: 08-06-2023

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