Revista Ciencias de la Actividad Física UCM, 23(2), julio - diciembre, 2022. ISSN: 0719-4013 Análise comparativa da percepção corporal sobre o treinamento entre indivíduos onívoros e vegetarianos Análisis comparativo de la percepción corporal sobre el entrenamiento entre individuos omnívoros y vegetarianos Comparative analysis of body perception on training between omnivorous and vegetarian individuals Gabriel Beer1, Juliana Brandão Pinto de Castro2, Andressa Oliveira Barros dos Santos3, & Rodrigo Gomes de Souza Vale4 Beer, G., Castro, J. B., Santos, A.
O., & Vale, R. G. (2022).
Análise comparativa da percepção corporal sobre o treinamento entre
indivíduos onívoros e vegetarianos. Revista
Ciencias de la Actividad
Física UCM, 23(2), julio-diciembre, 1-12. https://doi.org/10.29035/rcaf.23.2.1
RESUMO Dietas vegetarianas vêm sendo cada vez mais adotadas no mundo. Com isso, há uma preocupação com a adequação nutricional e desempenho esportivo crescente entre profissionais de saúde e treinadores. O objetivo do presente estudo foi analisar a percepção corporal sobre o treinamento físico entre indivíduos onívoros e vegetarianos e, de forma secundária, comparar a percepção entre as diferentes dietas vegetarianas no desempenho esportivo. A amostra teve um total de 189 participantes (47 do sexo masculino e 142 do sexo feminino), sendo 91 onívoros (31 do sexo masculino e 60 do sexo feminino) e 98 vegetarianos (17 do sexo masculino e 81 do sexo feminino). Foi utilizado o questionário de Percepção do Corpo na Performance Esportiva (Pecopes), constituído por duas dimensões: dimensão 1 = percepção do corpo no desempenho esportivo; dimensão 2 = percepção do corpo no treinamento técnico e tático. Os resultados mostraram uma diferença significativa na dimensão 1 favorável aos vegetarianos quando comparados aos onívoros. O subgrupo ovolactovegetariano também obteve resultado significativamente superior aos onívoros na dimensão 1. Assim, foi possível concluir que os participantes vegetarianos do presente estudo apresentaram uma melhor percepção do corpo no desempenho esportivo comparado com os onívoros, porém não foram encontradas diferenças na percepção do corpo quanto ao treinamento técnico e tático. Palavras-chave: Vegetarianos, Veganos, Dieta vegetariana, Desempenho físico, Percepção corporal. RESUMEN Las dietas vegetarianas se adoptan cada vez más en el mundo. Por lo tanto, existe una preocupación por la adecuación nutricional y el aumento del rendimiento deportivo entre los profesionales de la salud y los entrenadores. El objetivo del presente estudio fue analizar la percepción corporal del entrenamiento físico entre individuos omnívoros y vegetarianos y, en segundo lugar, comparar la percepción de diferentes dietas vegetarianas sobre el rendimiento deportivo. La muestra tuvo un total de 189 participantes (47 hombres y 142 mujeres), siendo 91 omnívoros (31 hombres y 60 mujeres) y 98 vegetarianos (17 hombres y 81 mujeres). Se utilizó el cuestionario de Percepción del Cuerpo en el Rendimiento Deportivo (Pecopes), que consta de dos dimensiones: dimensión 1 = percepción del cuerpo en el rendimiento deportivo; dimensión 2 = percepción corporal en el entrenamiento técnico y táctico. Los resultados mostraron una diferencia significativa en la dimensión 1 favorable a los vegetarianos en comparación con los omnívoros. El subgrupo ovolactovegetariano también tuvo un resultado significativamente mayor que los omnívoros en la dimensión 1. Así, fue posible concluir que los participantes vegetarianos en el presente estudio tenían una mejor percepción del cuerpo en el rendimiento deportivo en comparación con los omnívoros, pero no hubo diferencias. que se encuentran en la percepción del cuerpo con respecto al entrenamiento técnico y táctico. Palabras clave: Vegetarianos, Veganos, Dieta vegetariana, Rendimiento físico, Percepción corporal. ABSTRACT Vegetarian diets are increasingly being adopted around the world. Thus, there is a concern about nutritional adequacy and growing sports performance among health professionals and coaches. This study aimed to analyze the body perception of physical training between omnivorous and vegetarian individuals and, secondarily, to compare the perception of different vegetarian diets on sports performance. The sample had a total of 189 participants (47 males and 142 females), being 91 omnivores (31 males and 60 females) and 98 vegetarians (17 males and 81 females). We used the Body Perception on Sports Performance (Pecopes) questionnaire, which consists of two dimensions: dimension 1 = perception of the body in sports performance; dimension 2 = body perception in technical and tactical training. The results showed a significant difference in dimension 1, favorable to vegetarians when compared to omnivores. The ovolactovegetarian subgroup also obtained a significantly higher result than omnivores in dimension 1. Thus, it was possible to conclude that vegetarian participants in the present study had a better body perception during sports performance compared to omnivores, but there were no differences in body perception regarding technical and tactical training. Key words: Vegetarians, Vegans, Vegetarian diet, Physical performance, Body perception. 1 Instituto de Educação Física e Desportos (IEFD), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-2807-2466 | gabrbeer@gmail.com 2 Programa de Pós-Graduação em Ciências do Exercício e do Esporte (PPGCEE), Laboratório do Exercício e do Esporte (LABEES), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil. https://orcid.org/0000-0002-5656-0782 | julianabrandaoflp@hotmail.com 3 Programa de Pós-Graduação em Ciências do Exercício e do Esporte (PPGCEE), Laboratório do Exercício e do Esporte (LABEES), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil. https://orcid.org/0000-0002-7412-7229 | professoraoliveira.andressa@gmail.com 4 Programa de Pós-Graduação em Ciências do Exercício e do Esporte (PPGCEE), Laboratório do Exercício e do Esporte (LABEES), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil. https://orcid.org/0000-0002-3049-8773 | rodrigovale@globo.com INTRODUÇÃO A busca pelo desempenho esportivo não depende apenas de uma rotina de treinamento, que é um dos pilares responsáveis por uma performance física e desenvolvimento corporal. A alimentação é outro fator com importância nesses quesitos, pois é a partir dela que o indivíduo recebe a energia e os nutrientes necessários para o bem-estar e a preparação física (Spriet, 2019), associados a hábitos saudáveis para uma melhor qualidade de vida (Silva & Cortez, 2017). A escolha da alimentação tem sido influenciada por outros elementos além da saúde e bem-estar, como a sustentabilidade e a preocupação com os animais. Um dos reflexos dessa demanda crescente por escolhas mais éticas está implicando no aumento do número de vegetarianos e veganos em escala global, inclusive no Brasil (Révillion et al., 2020). Em 2018, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE, 2018) apontou que 14% da população brasileira se declara vegetariana. Esse percentual aumenta para 16% nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Recife, totalizando aproximadamente 30 milhões de brasileiros (Sociedade Vegetariana Brasileira [SVB], 2018). Nesse sentido, na natureza existem animais carnívoros (que dependem exclusivamente de carne para se alimentar), herbívoros (cuja dieta se restringe a vegetais e frutas) e onívoros (que se alimentam de alimentos de origem animal e vegetal). Os seres humanos são, biológica e historicamente, animais onívoros. Onívoro é uma palavra que deriva do latim omnis, que significa “todos”. Assim, são indivíduos capazes de consumir qualquer tipo de alimento, seja de origem vegetal ou animal (SVB, 2018). Assim, sob a perspectiva biológica, os seres humanos são capazes de digerir e se nutrir tanto com alimentos de origem vegetal quanto animal. Por outro lado, o onivorismo passou a se referir também a uma escolha alimentar, a partir da criação do seu oposto: o vegetarianismo (Franco, 2006). Existem algumas subdivisões de vegetarianos. Aqueles que somente excluíram a carne da alimentação, porém ainda consomem ovos e laticínios, são tecnicamente chamados de ovolactovegetarianos, ainda que o termo popular seja genericamente “vegetariano”. Ademais, existem indivíduos que excluíram a carne e o leite, mas comem ovos (ovovegetarianos) e aqueles que deixaram de consumir carne e ovos, mas ainda ingerem leite (lactovegetarianos) (SVB, 2018). Há, também, os vegetarianos estritos, que são indivíduos que escolheram excluir da alimentação todos os alimentos que tenham origem animal – popularmente conhecidos como veganos (Slywitch, 2012). No presente estudo, todos esses indivíduos são classificados como vegetarianos para fins de comparação com os onívoros. As dietas vegetarianas – incluindo indivíduos que se identificam como ovolactovegetarianos, lacto ou ovovegetarianos e vegetarianos estritos – podem dar suporte nutricional para as demandas fisiológicas relacionadas ao desempenho em treinamentos físicos. Todavia, a exclusão dos produtos animais na alimentação ainda causa estranheza à maior parte da população, uma vez que o consumo, principalmente de carne, é associado a uma dieta rica em ferro, zinco, vitamina B12, cálcio e proteínas. A eliminação desses alimentos poderia levar a complicações nutricionais para os indivíduos que adotam as dietas vegetarianas, ou seria necessária a suplementação desses nutrientes (Ferreira et al., 2006). Desse modo, a crença de que há falha na obtenção de nutrientes por meio de dietas vegetarianas é o principal fator que leva a população, em geral, a acreditar que pessoas adotantes desse estilo de alimentação seriam mais fracas ou apresentariam uma performance pior em determinado treinamento se comparado a pessoas onívoras (Boutros et al., 2020). Esse mesmo pensamento também é uma preocupação de alguns treinadores e profissionais que trabalham com atletas vegetarianos e que visam a obtenção do desempenho ideal (Melina et al., 2016). Entretanto, existe evidência de que as dietas vegetarianas parecem estar associadas a benefícios para a saúde e menos preocupações com o corpo e o peso, principalmente entre as mulheres da população em geral (Dorard & Mathieu, 2021). Diante do exposto, é importante que os profissionais de Educação Física estejam cientes dessa nova tendência mundial, pois cada vez mais os alunos adotam diferentes escolhas alimentares (Révillion et al., 2020). A quantidade de atletas profissionais que seguem uma dieta vegetariana vem aumentando nos últimos anos, que pode ser uma alternativa nutricional para praticantes de exercício físico, de acordo com sua modalidade (Nebl et al., 2019a), assim como a população em geral. Nesse sentido, o estudo se justifica por observar, de forma subjetiva, a percepção de indivíduos fisicamente ativos e o tipo de alimentação. Dessa forma, pode servir de apoio aos profissionais de saúde que fazem algum tipo de intervenção relacionada à prescrição de exercícios físicos e ao desempenho esportivo. Portanto, o objetivo do presente estudo foi analisar a percepção corporal a respeito do treinamento entre indivíduos onívoros e vegetarianos e, de forma secundária, comparar a percepção entre as diferentes dietas vegetarianas nos desempenhos esportivos. MÉTODOS Participantes O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa descritiva e comparativa, embasada em dados transversais por meio da aplicação de um questionário. A amostra foi dividida em dois grupos, conforme o tipo de alimentação adotada pelos participantes: os que incluem carne na alimentação (onívoros) e os que excluem esse alimento da dieta (o que abrange ovolactovegetarianos, lactovegetarianos, ovovegetarianos e vegetarianos estritos ou veganos). Foram incluídos indivíduos adultos, nas idades entre 18 e 60 anos, do sexo feminino e masculino, os quais manifestaram concordância com o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Os participantes que não responderam corretamente ao questionário foram excluídos do estudo. Dessa forma, o estudo seguiu as recomendações sobre pesquisas que envolvem os seres humanos conforme a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Procedimentos de coletas de dados O questionário foi aplicado de forma online por meio de um link que redirecionava o participante até um formulário do Google Forms. O link foi enviado para grupos de Whatsapp e de Facebook. Um texto explicativo foi enviado com a finalidade do estudo. Depois, os indivíduos acessaram o formulário por meio do link enviado, no qual aceitaram participar do estudo por meio do TCLE e responderam ao questionário. Utilizou-se o questionário de Percepção do Corpo na Performance Esportiva (Pecopes) (Simões & Pellegrinotti, 2017). Este instrumento é constituído de 20 questões, sendo que da questão 1 a 8, as perguntas se referem à Dimensão 1 (percepção do corpo no desempenho esportivo). Nessa dimensão, quanto menor for a pontuação obtida, melhor será o resultado. Da questão 9 a 20, as perguntas estão relacionadas a Dimensão 2 (percepção do corpo no treinamento técnico e tático). Nessa dimensão, quanto maior for a pontuação obtida, melhor será o resultado. Assim, os participantes responderam ao instrumento quanto à sua percepção corporal em diferentes tipos de atividade, como resistência aeróbica, resistência anaeróbica, treino de força muscular, potência, agilidade e velocidade. Os resultados obtidos nas respostas do questionário referentes as dimensões 1 e 2 podem ser classificados conforme as Tabelas 1 e 2 (Simões & Pellegrinotti, 2017). Tabela 1 Classificação da percepção do corpo na performance esportiva (Pecopes) após a soma das respostas da Dimensão 1. Legenda: Escore = Somatório dos pontos das questões 1 a 8 do Pecopes. Fonte: Simões & Pellegrinotti (2017). Tabela 2 Classificação da percepção do corpo na performance esportiva (Pecopes) após a soma das respostas da dimensão 2. Legenda: Escore = Somatório dos pontos das questões 9 a 20 do Pecopes. Fonte: Simões & Pellegrinotti (2017) Tratamento estatístico Os dados foram tratados pelo programa IBM SPSS Statistics 23 e apresentados como média, desvio padrão, valores mínimos e máximos e frequências absoltas e relativas. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para verificar a normalidade dos dados. O teste t-Student para amostras independentes foi empregado para a análise comparativa entre os indivíduos onívoros e vegetarianos. A ANOVA one-way, seguida do post hoc de Sidak ajustado, foi aplicada para identificar possíveis diferenças entre os indivíduos onívoros e vegetarianos em suas variantes. O valor de p < 0,05 foi considerado para a significância estatística. RESULTADOS As características descritivas da amostra estão apresentadas na Tabela 3. Dos 208 indivíduos que se voluntariaram para participar do estudo, 19 foram excluídos, pois responderam inadequadamente ao questionário. Desse modo, a amostra foi composta por 189 participantes (47 do sexo masculino e 142 do sexo feminino). Os indivíduos foram divididos em 2 grupos, G1 (91 indivíduos onívoros, sendo 31 homens e 60 mulheres) e G2 (98 indivíduos vegetarianos, sendo 17 homens e 81 mulheres). No G2, 60% eram ovolactovegetarianos (59 indivíduos, sendo 11 homens e 48 mulheres), 7,14% lactovegetarianos (7 mulheres), 9,18% ovovegetarianos (9 mulheres) e 23,47% vegetarianos estritos (23 indivíduos, sendo 5 homens e 18 mulheres). Os participantes da pesquisa apresentaram idade média de 31,01 ± 11,41 no total. Com relação à prática de exercícios físicos, 22,22% eram sedentários, 20,11% treinavam por menos de 6 meses, 13,23% entre 6 meses até 1 ano, 9,52% de 1 ano até 2 anos e 34,92% por mais de 2 anos. Tabela 3 Características descritivas da amostra. Legenda: G1 = Grupo referente aos onívoros; G2 = Grupo referente a todos os estilos de vegetarianismo da pesquisa; m = metros; kg = quilogramas; IMC = Índice de massa corporal; Tempo Estilo = Tempo que o indivíduo mantém a dieta; Tempo Treino = Tempo que o indivíduo segue uma rotina de treinamento; ×/sem = vezes por semana. * p<0,05. A Tabela 4 apresenta os resultados das dimensões 1 e 2 com base na soma das respostas apresentadas no questionário Pecopes e a comparação com os grupos 1 e 2. Observa-se que tanto o grupo dos onívoros (G1) quanto o grupo de vegetarianos (G2) apresentaram escores classificados como “pouco adequados” na dimensão 1, porém houve diferença significativa onde os vegetarianos (G2) obtiveram um escore melhor (p<0,05) quando comparado ao G1 e muito próximo do limiar para a classificação “adequada”. Estes resultados asseguram que a dimensão 1 avalia a sensibilidade dos indivíduos em relação ao próprio corpo quando submetido ao conjunto de exigências físicas. Os grupos não apresentaram diferenças significativas na dimensão 2, porém ambos ficaram na classificação de “adequados”, assegurando que a sensibilidade dos indivíduos com relação ao corpo quando submetidos ao conjunto de exigências técnicas e táticas está apropriada. Tabela 4 Resultados das respostas das dimensões 1 e 2 do questionário Pecopes. Legenda: G1 = Grupo referente aos onívoros; G2 = Grupo referente a todos os estilos de vegetarianismo da pesquisa; Dimensão 1 = Percepção do Corpo no Desempenho Esportivo (questões de 1 a 8); Dimensão 2 = Treinamento Técnico e Tático (questões de 9 a 20); DP: desvio padrão; * p<0,05. Na Tabela 5, observa-se a comparação de resultados das dimensões 1 e 2 entre todas as possibilidades de cada estilo de alimentação subdivididos nos 5 subgrupos. Verifica-se que todos os resultados comparativos na dimensão 2 não foram significativos, mostrando que a dieta que o indivíduo adota não interferiu na percepção corporal relacionada a questões técnicas e táticas. Quanto à dimensão 1, as comparações entre os subgrupos vegetarianos (sG2, sG3, sG4 e sG5) do estudo não apresentaram diferença significativa, revelando que o abandono de carnes e até mesmo de alimentos derivados de animais não interferiram nos resultados de percepção corporal com relação a diferentes exigências físicas. Porém, quando comparados os grupos onívoros (G1) e ovolactovegetarianos (sG2), observou-se que o sG2 apresentou um resultado significativamente melhor (p = 0,034). Tabela 5 Resultados e comparação das dimensões 1 e 2 entre os estilos de alimentação. Legenda: G = Grupo; sG = Subgrupo dos vegetarianos; DP = desvio padrão; Dim1 = Dimensão 1, Percepção do Corpo no Desempenho Esportivo (questões de 1 a 8); Dim2 = Dimensão 2, Treinamento Técnico e Tático (questões de 9 a 20). * p < 0,05 G1 vs. sG2. DISCUSSÃO O presente estudo buscou analisar a percepção corporal dos indivíduos onívoros e vegetarianos participantes de diversos tipos de treinamento e comparar a percepção corporal entre as diferentes dietas vegetarianas no desempenho esportivo. O instrumento utilizado nessa pesquisa avalia a percepção/sensibilidade do indivíduo com o próprio corpo quando submetido ao conjunto de exigências físicas, técnicas e táticas da modalidade esportiva que pratica. Os resultados, embora apresentem a mesma classificação, mostraram que a dieta vegetariana interferiu sobre a percepção corporal no desempenho esportivo (dimensão 1), sendo favorável ao grupo vegetariano, porém não houve influência sobre a percepção corporal relacionada a questões de treinamento técnico e tático (dimensão 2) quando comparado com os resultados dos indivíduos onívoros. Dietas vegetarianas estão se tornando cada vez mais populares entre os indivíduos que procuram uma melhora na saúde (Rogerson, 2017). Além disso, há uma tendência cada vez mais forte dentre a população em geral em ter uma rotina de treinamento, com o objetivo de melhorar a sua qualidade de vida. Ainda que alguns treinadores e profissionais suponham que essas dietas não oferecem uma nutrição adequada para prática de atividades físicas por carecerem de proteínas, ferro, cálcio, vitamina B12, entre outros nutrientes (Clarys et al. 2014), estudos demonstraram que vegetarianos que seguiram uma alimentação equilibrada e suplementada com as vitaminas necessárias não apresentaram prejuízo no desempenho físico em diferentes atividades físicas (Ferreira et al., 2006), o que justifica os resultados obtidos no presente estudo com relação à dimensão 1. O estudo de Ferreira et al. (2006) revelou que atletas vegetarianos com as necessidades nutricionais atendidas não tiveram o desempenho aeróbico prejudicado. A maior ingestão de carboidratos e alimentos com potencial antioxidante podem ser responsáveis por resultados satisfatórios em atividades aeróbias e de resistência (Lynch et al., 2016). No mesmo sentido, Nebl et al. (2019b) indicam que dietas vegetarianas estritas e ovolactovegetarianas não geram efeitos prejudiciais no desempenho do exercício em corredores recreativos quando comparado ao grupo de onívoros. Particularmente, as dietas vegetarianas desempenham um papel fundamental na saúde cardiovascular, favorecendo atletas nas atividades de resistência aeróbia, conferindo melhora das concentrações de lipídios no plasma, efeitos no fluxo sanguíneo, composição corporal, capacidade antioxidante e armazenamento de glicogênio (Barnard et al., 2019). Isso ocorre porque esse estilo de alimentação é rico em vitaminas, minerais e fibras e, ao mesmo tempo, representa pouca ingestão de gordura saturada e ausência de colesterol (Barnard et al., 2019; Lynch et al., 2018). Em um outro estudo, Hietavala et al. (2015) relataram que uma dieta baixa em proteínas e rica em verduras, legumes e frutas, permite uma melhor capacidade aeróbica, explicada pela produção de álcalis capazes de alterar o estado ácido do corpo. Essa análise possivelmente justificaria a pontuação sutilmente elevada dos vegetarianos na dimensão 1 do presente estudo. Outro nutriente essencial para uma boa performance do atleta é o ferro. A anemia por deficiência de ferro pode ser mais comum na mulher atleta, o que interfere negativamente no rendimento esportivo (Ferreira et al., 2006). O ferro proveniente de alimentos de origem vegetal (ferro não heme) é diferente do ferro que encontramos nas carnes (ferro heme), pois ele possui uma taxa absortiva menor. Isso não quer dizer, no entanto, que os alimentos vegetais sejam insuficientes para suprir a necessidade do atleta (Slywitch, 2012). Lynch et al. (2018) apontam que atletas que se preparam para resistência ou força ou potência apresentaram diferentes necessidades nutricionais, o que repercute ainda mais nos atletas vegetarianos. Os níveis de creatina no corpo podem afetar na performance nos treinamentos de força e potência de atletas (Lynch et al., 2018), assim como a ingestão de proteínas e aminoácidos essenciais (Craddock et al., 2016). Como esses níveis são mais baixos em indivíduos vegetarianos, talvez seja necessária uma suplementação para potencializar o desempenho nesses tipos de treinamento (Kaviani et al., 2020; Peralta & Amancio, 2002). No estudo de Baguet et al. (2011), foram comparados o desempenho de força no sprint entre os grupos onívoros e ovolactovegetarianos, o qual foi suplementado com 1g de creatina. O resultado foi que não houve diferenças significativas entre os dois grupos, mostrando, mais uma vez, que a suplementação supre as adequações nutricionais do atleta. Já Phillips & Van Loon (2011) relatam que as proteínas interagem com o exercício, fornecendo não apenas um substrato para a síntese de proteínas contráteis, estruturais e metabólicas, mas também um gatilho para a síntese de proteína muscular, desempenhando um papel importante na promoção da recuperação e adaptação do exercício (Rogerson, 2017). As recomendações de ingestão de proteína para atletas são apresentadas no estudo de Thomas et al. (2016). As quantidades recomendadas para uma boa adaptação metabólica, reparo, remodelação e renovação de proteínas é de 1,2 a 2 g de proteínas/kg/dia. Indivíduos que não incluem carnes na alimentação precisam atentar para a quantidade e qualidade da proteína consumida na dieta, pois fontes vegetais não apresentam a mesma quantidade nem variedade de aminoácidos essenciais do que os alimentos de origem animal (Rogerson, 2017). Para atender as necessidades de proteínas e aminoácidos, é recomendado que vegetarianos consumam uma variedade de proteínas vegetais (Melina et al., 2016). Vegetarianos não precisam consumir combinações específicas de proteínas vegetais em cada refeição, mas devem consumir uma variedade de fontes de proteína ao longo do dia (Melina et al., 2016). A literatura científica aponta para a obtenção de bons resultados de treinamento em pessoas que adotam dietas vegetarianas, desde que haja uma alimentação adequada e balanceada, podendo ser necessário, em alguns casos específicos e a depender do tipo de treino, a suplementação de certas vitaminas e minerais. Os resultados obtidos a partir do questionário respondido pelos participantes do presente estudo não divergem dessas conclusões, uma vez que foram constatadas diferenças significativas na percepção corporal favoráveis aos vegetarianos com relação aos onívoros. O presente estudo apresenta algumas limitações. O questionário Pecopes não permite comparar o desempenho de vegetarianos e onívoros em cada treinamento específico. Uma análise mais detalhada seria relevante, pois cada rendimento exige preparações diferentes e nutrientes específicos, sendo possível haver diferenças no desempenho de cada grupo em relação ao tipo de treinamento. Outra limitação encontrada diz respeito à impossibilidade de comparação do desempenho entre vegetarianos que se suplementam ou não, uma vez que os estudos científicos analisados apontam para uma possível necessidade de suplementação de vitaminas e minerais, que irá variar de acordo com o tipo de treinamento. CONCLUSÃO Diante dos achados do presente estudo, foi possível perceber que os participantes vegetarianos apresentaram melhor percepção do desempenho corporal no treinamento quando comparados aos onívoros, mesmo ambos os grupos estando na mesma classificação nas normas da Pecopes. Assim, indivíduos vegetarianos possuem uma percepção do corpo superior aos onívoros no que diz respeito ao rendimento nos treinos. Os onívoros também obtiveram resultados significativamente inferiores comparados com o subgrupo ovolactovegetariano (sG2) na dimensão 1. Na dimensão 2, por outro lado, não houve distinção relevante da percepção entre os grupos. O conhecimento acerca desses resultados é aplicável aos profissionais de Educação Física em relação aos alunos que possuem esse tipo de restrição alimentar e as possíveis respostas e adaptações ao treinamento associado a diferentes hábitos alimentares. Recomendam-se que futuros estudos investiguem as associações entre marcadores bioquímicos relacionados ao desempenho físico e as diferentes dietas vegetarianas. Além disso, a realização de um estudo com a aplicação do questionário Pecopes direcionado aos atletas profissionais vegetarianos e onívoros pode viabilizar uma percepção melhor acerca do desempenho físico em altos níveis de performance. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Baguet, A., Everaert, I., De Naeyer, H., Reyngoudt, H., Stegen, S., Beeckman, S., Achten, E., Vanhee, L., Volkaert, A., Petrovic, M., Taes, Y., & Derave, W. (2011). Effects of sprint training combined with vegetarian or mixed diet on muscle carnosine content and buffering capacity. European Journal of Applied Physiology, 111(10), 2571–2580. https://doi.org/10.1007/s00421-011-1877-4 Barnard, N. D., Goldman, D. M., Loomis, J. F., Kahleova, H., Levin, S. M., Neabore, S., & Batts, T. C. (2019). Plant-based diets for cardiovascular safety and performance in endurance sports. Nutrients, 11(1), 130. https://doi.org/10.3390/nu11010130 Boutros, G. H., Landry-Duval, M. A., Garzon, M., & Karelis, A. D. (2020). 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Castro
Doutora em Ciências do Exercício e do Esporte Laboratório do Exercício e do Esporte (LABEES) Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Brasil. Dirección postal: Rua São Francisco Xavier, 524, Bloco F, 9º andar, sala 9134/5, Maracanã CEP: 20550-900 Rio de Janeiro – RJ, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5656-0782 Contacto: julianabrandaoflp@hotmail.com Recibido: 09-11-2021 Aceptado: 03-05-2022
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